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(Foto: Vipcom) |
RIO - Dia 9 de fevereiro de
2012, Engenhão. Ronaldinho perde um pênalti na apertada vitória sobre o
Madureira. Dia 22 de fevereiro, semifinal da Taça Guanabara com o Vasco. O
Flamengo sofre a virada. O que têm em comum as duas ocasiões? Em ambas,
esperava-se que o astro, o carro chefe, o jogador a quem o Flamengo dedica
altíssimo investimento, reagisse, buscasse o jogo com intensidade, liderasse.
Não aconteceu. O desempenho e a conduta, somados à decisão do clube de arcar
sozinho, sem parceiro, com todo o salário do astro, alimentam a discussão:
Ronaldinho vale tamanho esforço?
Quando chegou, há 13 meses,
ele custava ao Flamengo R$ 250 mil por mês — a Traffic pagava o restante. Os
planos eram ousados: títulos, grandes atuações, lucro com a exploração da
imagem. Mesmo que o produto entregue não fosse tão genial quanto em 2006, por
exemplo, o risco não era tão alto. O Flamengo ganhou o Estadual, veio o
Brasileiro e Ronaldinho teve uma fase de ótimas atuações. Depois, se apagou,
teve problemas com Vanderlei Luxemburgo e, desde então, vive de lampejos. A
sensação, mesmo quando não joga mal, é de que é comum, discreto. Por vezes
cabisbaixo, ausente.
Cumpre horários, vai aos
treinos, mas é acusado de ter uma vida noturna que explicaria o declínio
técnico. Dá poucas entrevistas, não se expõe. Tornou-se um produto difícil de
vender, imagem difícil de explorar. Só que, agora, ele custa R$ 14 milhões por
ano. Vai consumir 7% de tudo o que o Flamengo espera arrecadar em 2012, de
acordo com seu orçamento. Sozinho, Ronaldinho receberá quase 20% dos gastos
previstos com todo o departamento de futebol do clube. Em 2011, estudo do site
"Futebol Finance", levando em conta só salários, colocava-o entre os
50 jogadores mais bem pagos do mundo. Era disparado, o recordista do país.
Receio
e hesitação
A favor de Ronaldinho há
números. Desde que estreou, em fevereiro de 2011, o Flamengo fez 77 jogos. Ele
jogou 62. Com Ronaldinho, o aproveitamento do time é de quase 61% dos pontos.
Sem ele, cai a 42%.
— Quem atinge este patamar,
já tem uma diferença em relação aos outros na parte financeira. Então, tem que
dar exemplo. Seja com participação em campo, em ações do clube, se posicionando
em defesa da instituição. Acredito que seja isto que a instituição espera
quando faz o investimento — diz o ex-jogador e ídolo do Flamengo Júnior. —
Claro que se esperava mais, principalmente em termos de treinamento. Quem ri
nos treinos não vai rir nos jogos. A sensação é de que o comportamento tem
respaldo da diretoria.
O jogador que mais vezes
vestiu a camisa do Flamengo (857) e se tornou símbolo de dedicação se posiciona
de forma dura. Na diretoria, predomina a cautela. Por vezes, parece assunto
proibido. A presidente Patrícia Amorim não quis dar entrevista. Através da
assessoria, disse que "o clube fez o investimento por achar que vale a
pena" e que, "no fim do ano, sentamos para conversar". Há quem
se baseie numa crença de que, em algum momento, Ronaldinho fará o chamado
"algo mais". Michel Levy, vice de finanças, admite que o custo é
alto. Mas, ao dizer que o investimento é válido, apoia-se no passado e na esperança
no futuro.
— Acho que vale. Numa
decisão, na Libertadores, ele vai fazer a diferença quando precisar ser "o
cara". Ele fez um gol antológico numa Copa contra a Inglaterra, aqueles 5
a 4 contra o Santos foram antológicos. Qualquer um pagaria cinco vezes o ingresso.
Ele tem a possibilidade de fazer diferença — diz.
A questão é que os momentos
em que Ronaldinho Gaúcho foi "o cara" no Flamengo foram esporádicos.
— É um esforço grande, sem
dúvida (pagar todo o salário). E não é para o Flamengo. É padrão Europa, top.
Mas ele cumpre horários, compromissos. O extra, o excepcional, você espera. Mas
não é sempre. Ele está na seleção, e o Deco não está. Por um bom tempo, nem
lembravam do Deco no Fluminense — defende Levy. — Realmente ele pode não estar
tendo grandes exibições. Mas não é tão diferente do compromisso que ele tem, do
que deveria fazer. Pode-se esperar mais, não exigir. O resto é detalhe que o
cara diferenciado pode fazer de repente.
Respeito
à história
A esperada exploração
comercial de Ronaldinho Gaúcho na volta ao Brasil virou controvérsia. A
parceria entre Flamengo e Traffic foi rompida. As propostas de patrocínio não
chegaram aos valores que a empresa imaginava. Como se o potencial do produto
tivesse sido supervalorizado. Já o Flamengo ofereceu propriedades, como o
programa sócio-torcedor, que já tinham dono. Ronaldinho não tem culpa. Mas o
desempenho e o dia-a-dia do craque, na visão de especialistas, não ajudou.
— Ele precisava fazer uma
revisão total, consultar uma empresa e mudar de atitude. Controlar noitadas,
dar exemplo aos jovens. Assumir posições em prol do clube, se posicionar, tudo
isso é imagem. Como fez o Deivid após perder o gol contra o Vasco. Mudando de
atitude, ele seria ídolo mesmo sem jogar como em 2006 — diz João Henrique
Areias, especialista em marketing esportivo. — Seria fácil vender a imagem do
Ronaldinho. A figura dele é carismática, parece estar sempre sorrindo. Mas hoje
é difícil fazer marketing com ele. Ele precisa assumir uma liderança, ser
decisivo, isso validaria a imagem, mesmo sem um rendimento espetacular. E teria
que ter uma imagem de dedicação, não pode furar com patrocinadores. Outro dia
disseram que não foi a um compromisso com a Unicef.
Carlos Alberto Parreira
treinou Ronaldinho Gaúcho no auge da carreira. Para ele, o grande nome do
planeta em 2006 foi sugado a um nível que o corpo não resistiu. Como resultado,
na Copa da Alemanha, não conseguiu render. Hoje, associa o declínio ao estilo
de vida.
— Ele partia para cima da
marcação e passava. Talvez pelos êxitos que já teve, falte foco, falte alegria.
Acho que a palavra é renúncia. Não pode, com o nome que ele tem, ficar jogando
sem conseguir realizar as coisas. Não tenho nada com isso, mas, com a vida que
está levando, ele não vai conseguir. Precisa abrir mão de coisas que gosta de
fazer ou nunca mais será o Ronaldinho — diz Parreira, que não hesita ao ser
perguntado se ainda vê o astro como jogador de seleção brasileira. — Se quiser
jogar uma Copa, vai precisar mudar, renunciar a hábitos. Precisa voltar a ter
condição física compatível. Só ficar no meio, lançando bolas, hoje não basta. É
chato vê-lo ser tratado como "zero à esquerda nos jornais". Não é
justo com o que ele representa.
Fonte: CARLOS EDUARDO MANSUR /O Globo
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