Na
madrugada de hoje recebi por email esse estudo destrinchando a proposta“milionária” da Adidas. Apesar do autor preferir se manter incógnito vale a
pena dar uma lida com atenção para entender direito esse B.O..
Caros
Sócios e Torcedores Rubro-Negros.
Recentemente,
o blog do Jornalista Renato Maurício Prado publicou, em primeira mão (muito
embora a mesma proposta tenha sido objeto de notícias na imprensa à cerca de
três meses atrás), que o Flamengo levou ao conhecimento de sua parceira,
fornecedora de material esportivo Olympikus, uma proposta “milionária” de R$
350 milhões por dez anos de contrato, feita pela empresa alemã Adidas.
Nesse
contexto, a presente análise tem por objetivo levar o leitor ao entendimento
técnico e objetivo da referida proposta, bem como, da sua comparação com o
atual contrato em vigor com a Olympikus, permitindo assim que se faça um juízo
de valor à luz dos fatos.
Para
tal, será preciso inicialmente, que o leitor entenda a mecânica de
funcionamento de um contrato do gênero, que difere em muito da simplicidade do
contrato padrão de patrocínio. Em seguida, será possível comparar as duas
alternativas (Adidas x Olympikus) com base nos valores reais de cada uma,
fugindo-se à armadilha de comparar “banana com abacaxi”.
Finalmente, a presente
análise oferecerá uma conclusão técnica e objetiva à luz dos números.
1 –
A NATUREZA DE UM CONTRATO DE FORNECIMENTO DE MATERIAL
Qualquer
contrato de fornecimento de material a uma equipe profissional de futebol (seja
ela o Flamengo, o Corinthians, o Santos, o Barcelona, o Manchester United, ou
qualquer outro clube) é composto de três partes, como se fossem três contratos
em um: – fornecimento de material às equipes desportivas do clube;
- Licenciamento, que permite à empresa fornecedora vender produtos (as réplicas
dos uniformes e outros produtos normalmente têxteis) com a marca do clube no
mercado; – - patrocínio, que remunera a utilização da marca do fornecedor no
uniforme do clube e a visibilidade conseqüentemente proporcionada a essa marca.
Anatomia
de um Contrato de Fornecimento de Material no Futebol
Historicamente,
no início, quando do surgimento dos primeiros contratos do gênero (no começo da
década de 70), os clubes recebiam apenas o fornecimento de material, já que não
era comum a venda da camisa oficial no comércio e, nem ao menos, a marca do
fornecedor aparecia no uniforme, não se entendia essa relação como uma entre
patrocinador e patrocinado.
Com
o passar do tempo, a partir da década de 80, os clubes passaram a reivindicar
também, remuneração pela exposição da marca do fornecedor no uniforme, bem
como, pelo direito, exclusivo, dado ao fornecedor de se dizer fornecedor
oficial daquela equipe.
Finalmente,
na década de 90, os clubes passaram a receber além da cota de material, um
valor (fixo e posteriormente variável na forma de royalties) como remuneração
pela venda de produtos (na época, restrito à réplica da camisa oficial) no
varejo.
Na
medida em que o tempo passou, cada vez mais o componente de licenciamento
tornou-se fator essencial em um contrato do gênero. Com o fim da inflação, o
crescimento econômico, além do boom econômico causado pelo surgimento de 40
milhões de novos consumidores na economia brasileira, recém saídos da pobreza,
criou-se um novo mercado para consumo de bens duráveis e não duráveis. Esse
novo consumidor consome avidamente produtos de vestuário, destaque aí para a
camisa (ou camisas) do seu clube de coração. Estava criado um terreno fértil
para a explosão de consumo dos produtos licenciados dos clubes, especialmente
as réplicas de seus uniformes.
A
Evolução dos Contratos de Material Brasileiro
Nesse
contexto o Flamengo chegou à expressiva marca de 1,2 milhões de camisas
vendidas apenas no primeiro semestre da parceria com a Olympikus, uma
quantidade verdadeiramente espetacular, especialmente quando se observa que os
maiores clubes europeus vendem entre 1,2 milhões e 1,5 milhões de peças ano.
Assim,
é provável que em 2010, o Flamengo tenha sido o recordista mundial de venda de
camisas, embora não se possa determinar com certeza.
Os
Maiores Vendedores de Camisas do Futebol Mundial (Europeu)
Em
quantidade Média de Camisas Vendidas Ano
2 –
COMPARANDO OS CONTRATOS (PROPOSTA ADIDAS X CONTRATO OLYMPIKUS)
Uma
vez contextualizado o ambiente onde se insere um contrato de fornecimento de
material, o leitor poderá entender melhor quais aspectos são relevantes na hora
de analisar alternativas.
O
passo seguinte é resumir e adaptar os valores e outros benefícios gerados por
ambos os contratos, de modo a que sejam comparáveis. Assim evitaremos comparar
“banana e abacaxi”. Para tal é necessário que se calcule o valor de ambas as
alternativas, na mesma data e mesma moeda.
Além
disso, é importante analisar benefícios intangíveis, especialmente aqueles
ligados à distribuição, fator chave para o sucesso de um contrato do gênero sob
a ótica econômica.
Inicialmente,
destacamos os valores reais do contrato do Flamengo com a Olympikus, retirados
da minuta de contrato aprovada pelos Conselhos do Clube, quando de sua
assinatura. Trata-se, portanto, de fato e não especulação. Vamos a eles.
Olympikus,
valores anuais em 2009:
a)
Patrocínio – R$ 5 milhões;
b) Material Fornecido ao Clube – 106 mil peças de vestuário x preço médio de
atacado (R$ 66,00) = R$ 7 milhões;
c) Licenciamento – Garantia mínima em royalties ano – R$ 8 milhões (o
equivalente à venda de 1,1 milhões de peças)
d) Verba de Marketing para o Clube – R$ 1 milhão.
e) Total Geral = R$ 21 milhões de reais.
Aqui,
duas considerações importantes. Com relação ao item C, a garantia mínima
significa que, na hipótese do clube vender mais de 1,1 milhões de peças ano (o
que ocorreu já no primeiro semestre de contrato), haveria remuneração
adicional. Calcula-se que o clube tenha recebido, adicionalmente, ao final do
primeiro ano de contrato (2010), por essa razão, cerca de R$ 4,5 milhões.
Uma
questão muito importante é que o contrato possui cláusula de correção monetária
anual. Em uma conta simples, com um IGPM acumulado ao longo dos primeiros três
anos de contrato, de cerca de 19%, o contrato atual do Flamengo com a
Olympikus, já seria em 2012, corrigido, de (R$ 21 milhões x 1,19) = R$ 25,1
milhões ano.
Se
considerarmos que faltam dois anos para o fim do contrato, bem como, que a
proposta da Adidas vale apenas para 2014, considerando-se uma inflação média de
4% ao ano, 2013 e 2014, podemos estimar que ao final do contrato (2014) a
Olympikus estará pagando ao Flamengo R$ 27,1 milhões/ano ao Flamengo.
É a
esse valor que a proposta da Adidas deve ser comparada.
Considerando-se
que os dados da referida proposta sejam verdadeiros (R$ 35 milhões/ano, por 10
anos), podemos estimar que a proposta esteja dividida em:
a)
Material fornecido – As mesmas 106 mil peças ano, porém ao preço médio
praticado pela Adidas (R$ 100), como ocorreu recentemente, quando da renovação
da empresa alemã com o Fluminense FC. Ou seja – 106 mil X R$ 100 = 10,6 milhões
em material.
b) O restante, distribuído entre garantia mínima de royalties e patrocínio,
totalizando – R$ 24, 4 milhões.
Comparativo dos Valores Fixos – Adidas x Olympikus
Valores R$ milhões/ano, em 2014.
Parceiro | Material | Dinheiro Fixo | Total |
Adidas | 10,6 | 24,4 | 35,0 |
Olympikus | 9 | 18,1 | 27,1 |
Portanto,
a diferença de fato, entre o atual contrato com a Olympikus e a proposta da
Adidas é de R$ 7,9 milhões/ano, a favor da empresa alemã, algo em torno de 29%.
Entretanto,
ainda existe um fator importante a ser considerado. Uma vez que parte do valor
pago é variável e que não consta no quadro anterior, é fundamental, mesmo que
não seja possível determiná-lo com certeza, avaliar o potencial de cada uma das
propostas para a geração de receitas variáveis. Lembrando novamente que, como
já citado, apenas em 2010, o Flamengo recebeu mais de R$ 4 milhões em royalties
adicionalmente ao contrato, em função do volume expressivo de vendas.
Receitas
de royalties decorrem das vendas no varejo. Normalmente os clubes recebem cerca
de 10% sobre o preço de atacado da peça vendida.
As
vendas, por sua vez, guardam relação direta com preço e distribuição (os dois
Ps de marketing, mais importantes nesse segmento). Como, no caso do Flamengo, o
preço tende a ser semelhante, seja qual for o fabricante, a variável chave para
o desempenho das vendas e, conseqüentemente, da receita variável recebida pelo
clube, será a Distribuição.
Isso é ainda mais verdadeiro para um clube popular como o CRF.
A
capacidade de distribuir é função direta de três fatores:
- a rapidez na concepção e desenvolvimento dos produtos (já que a dinâmica
desse mercado é sujeita a flutuações rápidas e repentinas, pelas demandas
causadas por grandes vitórias, derrotas ou títulos);
- a capacidade de fabricação; e,
- o número de pontos de venda.
Em
resumo, para se obter sucesso em termos de volume de vendas, no caso de uma
marca como o Flamengo, o parceiro deverá ser ágil em conceber e lançar
produtos, ágil em fabricar e possuir grande e eficiente rede nacional de
distribuição.
Muito
embora seja difícil estimar o potencial de venda variável de cada um dos
contratos aqui analisados, dada a natureza subjetiva dos mesmos, é
perfeitamente possível analisar os dados relacionados a cada um dos três
fatores, para Olympikus e Adidas.
Assim
sendo, vamos à comparação:
Comparativo dos Fatores Chave para a Geração de Receita Variável.
Olympikus x Adidas.
Parceiro | Fábricas Próprias | Concepção dos Produtos | Pontos de Venda no Brasil |
Adidas | ZERO | Feita na Alemanha. Prazo: concepção ao lançamento, 3 a 6 meses. | Cerca de
1.200
|
Olympikus | 21 | Feita no Brasil. Prazo: concepção ao lançamento 15 dias.
| Cerca de
10.000
|
Fica
claro que existe uma enorme diferença entre a capacidade de conceber, fabricar
e distribuir das duas empresas. É natural que isso tenha forte impacto sobre a
receita variável gerada por cada contrato para o Flamengo, especialmente em
momentos de grandes vendas (grandes vitórias, títulos, lançamentos de novos
produtos, etc.).
Claro,
há de se considerar que a Adidas possui distribuição Global e a Olympikus não.
Aliás,
um dos aspectos positivos citados na imprensa sobre a proposta da empresa
alemã, seria exatamente o acesso do Flamengo à distribuição internacional. Será
que isso procede? É público e notório que marcas globais como Adidas e Nike,
trabalham sempre, apenas um pequeno grupo de clubes europeus, em sua rede de
distribuição internacional.
Recentemente,
um episódio envolvendo a Sociedade Esportiva Palmeiras, patrocinada pela
Adidas, demonstrou bem essa política.
O Palmeiras se queixou publicamente que, apesar de ter sido em 2010 um dos seis
maiores vendedores de camisas de futebol com a marca Adidas, não teve acesso à
distribuição Global, sendo preterido por equipes européias que venderam muito
menos camisas naquele ano.
A
Adidas se defendeu, alegando que o critério que determina o mix de produtos em
suas lojas internacionais são os pedidos dos lojistas e não sua vontade
própria. Curiosamente, no caso do Flamengo, parece ser diferente. Fica a
pergunta, estaria a Adidas disposta a assumir, de forma objetiva, quantificável
e por escrito, com multa pesada por descumprimento, o compromisso de distribuir
camisas do Flamengo em todas as suas lojas internacionais, de forma idêntica ao
que faz com clubes como Chelsea, Real Madrid, e Bayern?
Voltando
à hipotética inclusão do Flamengo no “Grupo A” dos clubes atendidos pela
Adidas, como citado pela imprensa, podemos imaginar como isso se daria.
O chamado Grupo A ou de Elite, é formado pelas três ou quatro marcas de clubes
mais prestigiados, atendidos mundialmente pela Adidas, são eles: Bayern Munich,
Chelsea e Real Madrid.
Tais
clubes recebem dois tipos de tratamentos diferenciados:
a)
Acesso à distribuição Global da Adidas (como analisado anteriormente); e,
b) Remuneração bem acima da média das outras equipes.
Uma
vez que já avaliamos a questão da probabilidade de inclusão do Flamengo no
grupo de elite de distribuição global da Adidas, vamos direcionar nosso foco
para a remuneração recebida pelas equipes do Grupo A da Adidas, de modo a
verificar se, uma vez aceita a proposta de R$ 35 milhões/ano, estaria o
Flamengo incluído no referido grupo por esse critério.
“Grupo
A” dos Clubes de futebol patrocinados pela Adidas.
Valor
do patrocínio convertido para R$ Milhões/ano
Fonte: Sportcal (maior
banco de dados de informações sobre patrocínios esportivos do mundo). Valores
em Euros, convertidos para Real à taxa de 2,49.
Obs.: O
contrato com o Real Madrid estará encerrado em 2012 e deverá ser renovado com
grande aumento de valor.
Uma
breve análise, nos mostra de forma muito clara, que uma proposta de R$ 35
milhões/ano, nem de longe credenciará o Flamengo a ingressar no Grupo A da
Adidas. Na verdade, o Flamengo ficará atrás de clubes como o Ajax e o Lyon, que
integram um grupo de importância secundária, a nível global, para a Adidas.
Finalmente,
é possível concluir que a diferença entre os contratos é de R$ 8 milhões/ano, e
que deve diminuir sensivelmente, graças a diferença da capacidade de gerar
receitas variáveis entre as empresas, com grande vantagem para a Olympikus
(como demonstrado).
É possível ainda, concluir que outros ganhos para o clube,
embutidos na proposta da Adidas, como acesso a sua rede global de distribuição
e inclusão no seleto grupo dos clubes mais bem pagos pela marca alemã, não
procedem ou não podem ser comprovados.
Nesse
momento, é necessário voltar nossa atenção para o que talvez seja o ponto mais
importante desta análise, o prazo de duração do contrato.
O
futebol brasileiro, e mais que isso, a economia brasileira, passa por um
momento muito especial. No caso do futebol o incremento das receitas de
marketing ao longo dos últimos anos deve prosseguir, ainda que ajustes no
modelo possam e devam ocorrer ao longo do caminho.
Nos
últimos oito anos, a receita anual com patrocínios dos clubes brasileiros
cresceu de US$ 42M para US$ 182M. Em 2014, o valor projetado pelo mercado
para essa receita é de US$ 371M.
Entre
2003 e 2014, o crescimento acumulado, projetado, é da ordem de espantosos 800%.
Receita
Total dos Clubes Brasileiros com Patrocínios, US$ Milhões.
Ainda
que seja provável uma diminuição nesse ritmo de crescimento, todas as projeções
indicam que, nos 10 anos subseqüentes (2014-2024) exatamente o período da
proposta feita pela Adidas, essa taxa de crescimento deverá permanecer muito
alta.
Claro
que este fato tem profundas implicações para o contrato, se celebrado por 10
anos como proposto. Fica evidente que muito antes do fim do contrato, mesmo
corrigido pela inflação, o valor da proposta estará muito aquém do seu valor de
mercado. Se, por exemplo, o crescimento das receitas de marketing no futebol
brasileiro no período 2014-2024, for metade do crescimento no período 2004-2014
o contrato sofrerá uma perda de 400%!!!
Celebrar
um contrato dessa natureza, em um momento como este, com a Adidas, Olympikus ou
qualquer outro parceiro, por dez anos, prevendo apenas a correção monetária
seria claramente desastroso para o Flamengo, com gravíssimas conseqüências
futuras para o clube.
3 –
CONCLUINDO
É preciso
decidir considerando todos os fatos, de maneira técnica e objetiva.
Nossa
conclusão é:
a)
Os valores fixos entre o que pagará a Olympikus em 2014 e o que se propõe a
pagar a Adidas na mesma data, são muito mais próximos do que tem sido divulgado,
cerca de 30% de diferença pró Adidas. Resta saber se a Olympikus estaria
interessada em cobrir essa diferença para renovar.
b)
Além disso, está claro que existe uma grande defasagem entre a capacidade de
cada empresa gerar receitas variáveis para o Flamengo. Tal fato, precisa ser
considerado na análise das propostas.
c)
Finalmente, o prazo de 10 anos de contrato seria um desastre completo para o
Clube, não importando o parceiro, em função do momento do mercado brasileiro.
Espero
ter podido contribuir através dessa análise, para que conselheiros e torcedores
rubro negros possam entender e julgar o que é melhor para o Flamengo.
Fonte: Por Arthur Muhlenberg - Urubublog- Globo Esporte