Classificados para a final
da Liga dos Campeões, Bayern de Munique e Borussia Dortmund, o futebol alemão
atingiu o topo da Europa graças a uma revolução iniciada há cerca de 13 anos
por clubes, federação de futebol e a liga nacional. Seu principal foco foi o
investimento na formação de novos jogadores, com gastos de R$ 1,4 bilhão só em
divisões de base dos times.
Esse plano foi elaborado em
2000 quando o time nacional germânico se viu em franca decadência ao ser
eliminado na primeira fase da Eurocopa. A partir daí, a Federação Alemã de
Futebol (DFB) - correspondente a CBF- e a Liga Nacional - que organiza a
Bundesliga, campeonato local - se organizaram para tomar medidas para mudar o
futebol nacional.
Foram dois os caminhos
adotados. Primeiro, a Liga Nacional impôs, a partir de 2001, que os clubes
teriam de ter academias formadoras de jovens jogadores para obter a licença
para entrar na primeira divisão do campeonato alemão. Essa medida foi depois
estendida à segunda divisão. Segundo, a DFB passou a criar centros de
treinamento para crianças abaixo de 14 anos, em integração com escolas.
Além da renovação em campo,
a Alemanha adotou regras para controle de gastos e da administração dos clubes.
É obrigatório, por exemplo, que pelo menos 51% das ações da equipe pertençam a
sócios, vetada a venda para estrangeiros. Gastos excessivos, acima das
receitas, podem gerar a perda da licença do clube para jogar o Nacional. "Temos
sempre uma filosofia de não gastar mais do que ganhamos", afirma o
chefe-executivo do Bayern, Karl-Heinz-Rummenigge, ex-jogador da seleção.
Mas, antes de instalar esse
sistema, os alemães mandaram seus técnicos para os países que eram vistos como
de excelência em treinamento de jovens. Houve visitas à França, à Holanda e à
Espanha, que eram consideradas referências. Avaliou-se da infraestrutura à
formação de profissionais para atuar no futebol.
Com o know-how aprendido, os
alemães começaram a formar seus CTs. Um exemplo é que o Borussia Dortmund, hoje
finalista da Liga dos Campeões, não tinha uma academia de jovens antes da
obrigação imposta pela liga. O segundo passo foi criar critérios para
avaliar essas academias sob o ponto de vista de infraestrutura - campos,
vestiário, equipamentos técnicos- e de pessoal -exames para técnicos,
psicólogos e preparadores físicos. Com isso, o investimento dos clubes crescia
a cada ano em suas divisões de base.
De início, os times
investiam R$ 125 milhões por ano, número que praticamente dobrou depois de 12
anos. No total, clubes da primeira e segunda divisão já gastaram R$ 1,4 bilhão
com infraestrutura e pessoal para a formação de atletas.
"Uma razão crucial para
o sucesso recente com certeza foi o trabalho das academias da Bundesliga. O
fato é que compulsoriamente se estabeleceu esse investimento o que não pode ser
elogiado o bastante. Neste temporada, foram só R$ 240 milhões", contou
Christian Seifert, executivo-chefe da Liga.
Como resultado, foi
revertida a tendência de queda do número de jogadores locais na Bundesliga o
que ocorria até 2001. Na temporada de 2010/2011, 275 dos 525 atletas, ou seja
57%, eram alemães. Entre eles, estão nomes como Müller, Gotze e Jerome Boateng,
que brilham na seleção alemã. É claro que times como Bayern, que tem muito
dinheiro, também contam com vários atletas estrangeiros de ponta como Ribery,
Luiz Gustavo e Robben.
Em paralelo ao trabalho da
liga, a DFB instalou 366 centro de treinamentos de excelência pelo país, em
associações com escolas, que atendem garotos de 10 a 14 anos. São verdadeiras
escolas de futebol em que é feito um treinamento individualizado para cada
jovem atleta. Cerca de 14 mil jovens são atendidos por essas escolas. Depois
dos 14 anos, eles podem ter acesso às academias dos clubes.
O programa tem como objetivo
incentivar a prática do futebol, mas também tem a intenção de que isso seja
feito em paralelo com a formação escolar. A DFB, por exemplo, tem uma
estatística que demonstra qual o percentual de seus jovens jogadores que se
dedicam prioritariamente à gramática ou a ciências exatas. Há também psicólogos
para acompanhar os garotos e organizar suas tarefas de forma que não exista
prejuízo à escola por conta da atividade do futebol. Assim, boa parte dos
atletas que se tornam profissionais também conseguem ir para a universidade.
Estrangeiros também são
bem-vindos. Há uma estimativa de que jovens de até 80 países giraram nas
escolas e nas academias de futebol alemães, o que trouxe novos estilos de jogo
para o país. Um exemplo é que, em 2010, quase metade do time poderia ter jogado
por outros países por ter nascido fora da Alemanha. Mas é importante que se
adaptem à cultura germânica.
Dentro de campo, também
foram adotadas medidas inovadoras na formação do jovem como pessoa, o que
afetará também a forma como praticará o futebol. Um das premissas é que deve-se
encorajar atletas a tomar iniciativa e também manter comunicação intensiva
entre eles. Mais revolucionário é conceito, nas escolas de futebol da DFB e nas
academias dos clubes, de que os atletas devem testar várias posições.
"Você pode atuar em
diferentes papéis, cobrir diferente posições, provar as suas qualidades de
liderança e se defender contra a oposição", explicou o diretor da academia
do Werder Bremen, Uwe Harttgen.
Há um impacto claro neste
tipo de medida: jogadores dos times alemães, hoje, defendem e atacam com
eficiência quase igual, independentemente da posição. Isso pôde ser visto nos
confrontos das semifinais da Liga dos Campeões.
Para implantar conceitos
sofisticados, obviamente, é preciso profissionais preparados para esse nível de
trabalho. Por isso, há uma federação nacional de técnicos de futebol, que dá
licenças com diferentes níveis. Há 1.200 treinadores profissionais no país,
5.000 com licença A e outros 2 mil com licença B. Ou seja, há um total de cerca
de 9 mil técnicos certificados.
Ser técnico da divisão de
base, na Alemanha, está longe de ser sinal de desprestígio. São comuns casos de
treinadores que iniciam em base e vão subindo até chegar ao profissional do
clube, o que é raro no Brasil. O próprio técnico da Alemanha, Joaquim Low, era
auxiliar de Jürgen Klinssman no Mundial de 2006. Entre os diretores de divisão
de base mais celebrados, está Mathias Sammer, ex-jogador da seleção alemã.
Todo esse trabalho nas
categorias inferiores teve impacto não só nos clubes, mas também no time
nacional. Em 2002, a seleção alemã foi vice-campeã com os veteranos de Copas
anteriores, e pouca renovação. Mas, a partir de 2006, a equipe começou a exibir
um novo estilo, embora ainda não consolidado. Atingiu o terceiro lugar, mesma
posição da Copa-2010, quando o time foi sensação e parou apenas na campeã
Espanha.
"Sem o trabalho e o
apoio da liga, o sucesso do time alemão seria inconcebível. Crucialmente,
graças às academias, há melhores e mais jogadores educados hoje do que nunca
antes", ressaltou Christian Seifert, presidente da Liga.
Da atual equipe alemã,
dependendo da formação, quase 20 dos 22 jogadores são formados nas novas
academias de clubes para jovens. Como característica, são multiculturais
(muitas vezes nascidos no estrangeiro), adaptados a fazer mais de uma função e
integrados por ter sido criados em padrão similar de treinos desde novos.
"Não sabíamos que
podíamos ser tão despreocupados, felizes e alegre", contou o técnico do
Dortmund, Jurgen Kloopp, ao jornal "El País". A mudança de estilo foi
tal que treinadores alemães, hoje, se preocupam com a falta de cabeceadores, o
que era o forte na cultura futebolística anteriormente.
Ao estabelecer a supremacia
entre os clubes, os alemães deram mais um passo, mas falta superar os espanhóis
entre as seleções. Ocupam a segunda posição no ranking da Fifa, atrás dos
ibéricos, e já perderam deles em Eurocopa e em Mundial. O tira-teima será no
Brasil, na Copa-2014.
Fonte: Rodrigo Mattos | Do UOL, em São Paulo
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