sábado, 25 de fevereiro de 2012

O limitado marketing dos clubes brasileiros


Olhando o mercado brasileiro de publicidade e marketing, no qual vivi de 70 a 2010, e aí olhando para o nosso futebol, penso que os clubes trabalham muito mal sua força, tanto no sentido de não mostrarem ao mercado publicitário o que podem oferecer, como no sentido de não ter profissionais qualificados mostrando isso.

Acredito que a abordagem de uma grande empresa, dependente ou íntima do marketing, deve ser feita por profissionais do mesmo tipo e nível dos que estão na empresa. Respeito muito as pessoas que chegam à diretoria dos clubes, mas, francamente, elas não são do ramo.

Um clube grande deve ter um diretor de marketing remunerado, egresso do mercado de publicidade e marketing, com ampla visão de mercados e mente aberta, já com algum nome, além, é claro, de um currículo de peso. Um profissional que seja reconhecido pelos demais, nas empresas, como um igual entre iguais.

A esse profissional deve caber o contato e a condução das negociações de patrocínio e de ações de marketing. Posteriormente, deve ser ele, também, a ligação entre patrocinador e clube. Sua tarefa, portanto, não se resume à mera prospecção e fechamento, mas deve estender-se pelo tempo, cuidando da manutenção e evolução da parceria.

Naturalmente, profissional de tal quilate deverá estar atento ao mercado, sempre, procurando novas formas de relacionamento entre o clube e outras empresas, criando e propondo ações de marketing diferenciadas que agreguem valor e visibilidade às duas partes.

Entre os Top 10 do mundo (ver o post anterior), a participação do Commercial – englobando marketing e licensing – é de 33% sobre o total das receitas operacionais, ficando a TV com 41% e o matchday com 26%. Se pegarmos, porém, os times alemães, onde os direitos de TV são menos elevados, o percentual do Commercial, em especial o marketing, passa para 56% no Bayern e 45% no Schalke, considerando dois exemplos e com os dados da temporada 2010/11. E isso não se dá com a horrível poluição da camisa, como acontece hoje com os clubes brasileiros, mas sempre com um patrocinador único, máster de fato, e com um grande conjunto de ações, com diferentes empresas.

Acho até saudável um clube recorrer a uma agência para a busca de patrocínio. É muito melhor do que deixar tal tarefa em mãos incapazes, mas é, igualmente, um tremendo desperdício de dinheiro. Uma comissão de 15% – que é a praxe do mercado publicitário – sobre um patrocínio de 30 milhões significa 4,5 milhões de reais a menos na conta do clube. Um profissional de alto nível, ganhando bem (pelo mercado publicitário e não pelo mercado maluco e inflacionado do futebol) e ainda tendo o incentivo de bônus por metas, custará uma parcela apenas desse valor, com a vantagem de dedicar-se full time à entidade e gerar novos negócios.

Esse facilitário de terceirizar determinadas ações, também chegou aos programas de sócio-torcedor. É, para mim, impensável que um clube grande não consiga um mínimo de organização e não tenha um mínimo de capacidade para tocar algo, conceitualmente tão simples, como um programa de sócios. Ao terceirizar esses programas, os clubes abrem mão de 30% da receita dos mesmos, no mínimo, e deixam seu mais precioso patrimônio – os torcedores – fora de sua própria casa, em mãos estranhas. Nada contra as empresas, novamente, mas simplesmente essa é uma postura a favor dos clubes serem mais profissionais e cuidarem melhor de suas próprias finanças.

Uma listagem de clientes, tão fieis quanto apaixonados, vale ouro, ainda mais considerando o tamanho que podem atingir as listas de torcedores/consumidores envolvidos num programa de ST. Até porque, para ações promocionais diversas, não há necessidade do torcedor estar associado de fato, basta ele ter se cadastrado e se tornado, a partir de então, um consumidor em potencial dos mais diferentes produtos.

Tudo isso que está exposto acima é muito simples, banal mesmo, e não há o menor segredo ou truque, basta implementar. Dá até para o clube ganhar dinheiro com essas ações e programas terceirizados, mas será sempre muito menos que o possível, menos ainda que o desejável e muito menos, infinitamente menos que o necessário, para boa parte de nossos grandes clubes.

Todavia, em meio a tantas promessas bonitas, há um “pequeno” problema: a realidade de nossos clubes, em especial, a triste e paroquial realidade política que toma conta de todos, praticamente, onde cada diretoria é um pequeno feudo, um mundo à parte, onde só pode cantar de galo o diretor e ninguém mais.

Essas áreas de atuação não podem ficar sujeitas ao joguinho interesseiro e eleitoreiro de cartolas e seus amigos. Profissionais capacitados, bem remunerados e de renome, precisam trabalhar com independência e sem ingerências externas. Claro que devem prestar contas de tudo que fazem, mas, preferencialmente, a uma só pessoa e ninguém melhor que o próprio presidente do clube. Nada impede que se reportem a um diretor da área, mas, nesse caso, o ideal é que esse diretor tenha canal direto com a presidência, numa tentativa de ficar imune a pressões de outras áreas. Tudo isso porque não temos a figura do CEO, que nasceu no Internacional, com Aod Cunha, de curta passagem, infelizmente. Algo parecido, mas sem essa figura-chave, está em execução no Santos do presidente Luiz Álvaro e eu colegiado voluntário, onde as diversas áreas operacionais do clube serão, algumas já estão sendo, tocadas por profissionais remunerados. Ao mesmo tempo, o clube reduziu o número de diretores estatutários, algo politicamente muito interessante.

Depois de todo o imbróglio entre Flamengo e Traffic e Ronaldinho, passou a circular a notícia que a agência estaria interessada em tocar o programa de sócio-torcedor do clube. Que deveria ser gigantesco e uma grande fonte de receitas, mas continua como “potencial a ser explorado”. E, pelo que sei, não por incapacidade de quem o tocava, mas sim por conta dos eternos vai-e-vem políticos que caracterizam a Gávea. Que pagou comissão para a agência de Ronaldo pelo contrato com a Gillette. Novamente, nada contra essa ou qualquer agência, mas não me parece razoável que o Flamengo e sua marca precisem ser apresentados e defendidos no mercado por uma agência.

O mesmo, nesse caso, em relação ao Palmeiras, cujo novo e bom patrocínio acabou passando, também, pela intermediação de uma agência.

O São Paulo, nessa semana, anunciou que Roberto Justus prestará consultoria ao clube na busca e negociação por um novo patrocinador. Ainda não está definida como se dará sua participação, mas ela pode ir além desse ponto. Dependendo da forma como será feita e de quanto será a remuneração, se existir, essa relação pode ser interessante, desde que represente um ganho em relação à simples terceirização do serviço. Ainda no caso de Justus: o São Paulo pediu e ele, pelo clube, conduziu a negociação do novo contrato de direitos de transmissão do Brasileiro com a Rede Globo. Essa foi, sem dúvida, uma iniciativa inteligente da direção e abriu o caminho para essa nova colaboração.

Atualização: (um trecho do post original foi alterado em função dessa atualização) em rápida conversa hoje, Rogê David, o novo diretor de marketing do São Paulo, empresário e jovem, disse-me que Justus colaborará com a consultoria nessa e em outras questões sem remuneração. Sem dúvida, ótimo para o clube. Justus é um profissional de marketing por excelência, alguém que, mais do que abrir portas (tarefa que não é necessária para nenhum  dos grandes brasileiros, donos de marcas fortíssimas para as quais as portas se abrem… ou deveriam abrir), terá uma conversa de profissional para profissional, aquilo a que me referi há pouco como “um igual entre iguais”.  A conversa com Rogê, não concluída, ainda, tem sido interessante e, oportunamente, será transformada em post.

É bom lembrar que nessa mesma gestão presidencial, mas com outras pessoas à frente do marketing, o clube, praticamente, abriu mão do patrocínio da LG, no que acabou se revelando um erro estratégico – algo que esse OCE alertou, na época – graças a sonhos e bravatas de dirigentes que alardearam que iriam fechar patrocínios de 40 e até de 50 milhões. Não acontece.

Dirigentes falam o que querem e o mercado paga o que acredita que vale.

Nesse embate, vence o mercado, sempre, não por ser mais forte, mas, simplesmente, por usar a razão e a calculadora na hora de fazer negócios e ter à disposição, sempre, outras alternativas tão ou mais atraentes e por custo igual ou inferior.

O mercado não é inimigo e não é aproveitador, como costuma ser visto por muitos. É uma grande e fundamental fonte de recursos, mas precisa ser conhecido e precisa ser trabalhado de forma e correta e profissional. É isso, simples assim, que os clubes de futebol precisam aprender e entender.

FONTE: Emerson Gonçalves/Olhar crônico esportivo/Globoesporte.com

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